quarta-feira, 3 de julho de 2013

O limiar da irritação: como os problemas alheios detonam o seu sábado de sol

Não sei se é o mal do século, mas tenho a impressão de que as pessoas andam valorizando demais os “problemas da vida”, ficando com humor deprimido, carentes e necessitadas de atenção, de qualquer um que estiver na fila do supermercado, no assento ao lado ou na sala de espera do consultório médico. Ou será a falta de paciência com este tipo de situação um problema meu? Ajudem-me a descobrir, por favor.

Situação 1: Irritação máxima

Sábado de manhã, você está saindo de casa e encontra a sua vizinha no corredor. Como qualquer pessoa minimamente educada, a cumprimenta:

- Bom dia.

- Bom dia. Tudo bem?

- Tudo bem, e você? (pura força de expressão)

- Ah, mais ou menos. Estou com uma dor de cabeça que não passa...
 

- Se você quiser eu posso ver se tenho algum analgésico aqui em casa.
- Ah, agradeço muito!

- Entra um pouquinho enquanto eu dou uma olhada.

Enquanto isso, ela se senta no seu sofá. Você volta com o comprimido e um copo d’água na mão, entrega para ela. Ela olha para o comprimido, olha para o copo d’água, e olha para você, sem tomá-lo.

- Sabe... acho que esse remédio não vai me ajudar. Estou cansada de tomar remédio atrás de remédio, e parece que nada melhora.

Você, já desconfiada da situação, senta-se ao lado dela e pergunta:
- Como assim? Alguma coisa errada?
Ela coloca o comprimido e o copo d’água, intactos, na mesinha ao lado dela, de madeira, e você torcendo para não manchar, mas com receio de retirá-lo dali e parecer mal educada. Pô, será que ela não sabe que o copo d’água mancha a madeira da mesa? Irritação estágio 1.

- Não sei bem o que é, mas não venho me sentindo bem há algum tempo, tenho dores de cabeça quase todos os dias. Já fui ao médico, já fiz exames, mas ele diz que não é nada, que eu preciso me alimentar melhor, dormir melhor, fazer exercícios... mas é tão difícil.

- Mas ele não te passou nada para tomar?

- Passou um remedinho que eu tomo antes de dormir, tenho um pouco de insônia, e me ajudou um pouco, mas não muito... Sabe, ando meio desanimada...
- Hum...
- Não sei se gosto da Vania, minha nora, acho que não é mulher para o Bentinho. Mas se ele gosta dela, fazer o que? O importante é a felicidade dos nossos filhos...

- Mas por que não gosta dela?

- Acho que ela não vai conseguir cuidar dele. Você acredita que ela mal sabe cozinhar? Ele disse que ela não passa nem as roupas dela... quem vai arrumar as roupas dele? Passar as camisas...
- Ele não pode fazer isso?

- Ah... não sei... tadinho, ele trabalha tanto, e você sabe, homem não consegue fazer essas coisas.
Claro, porque ninguém ensinou. Qualquer ser humano dotado de um cérebro e um pouco de coordenação motora é capaz de aprender a fazer qualquer tarefa doméstica. Cá para nós, eu e você sabemos que o medo da vizinha é que o filhinho mimado dela tenha que botar a mão na massa e desaprender todo o conforto que ela ensinou para ele. E a tal da Vania, não trabalha muito também? Talvez esteja na hora do Bentinho fazer um curso intensivo e aprender que o pano de chão sujo de cerveja derramada, xixi de cachorro e graxa não aparece milagrosamente limpo no varal no dia seguinte. Irritação estágio 2.

- Ah, mas os casais hoje em dia são assim, é normal dividirem as tarefas, porque empregada virou artigo de luxo.

- Ah, nem me fala... ruim com elas, pior sem elas. Eu A D O R O a Edilaine, mas sabe que tem horas que me irrita? Eu canso de explicar que o Milton só gosta de bife mal passado, mas ela sempre passa do ponto, e ele acaba reclamando comigo! Que eu tenho que ensinar direito essa menina a fazer o bife, que desse jeito ele não vai mais almoçar em casa, e que eu vou ter que começar a cozinhar no lugar dela para sair direito. Você acredita?

- Pois é... (irritação estágio 3).

- Fora que eu acho que ela está usando as minhas roupas.

- Como assim?

- Ano passado, me matriculei na academia ali na esquina, pois estava querendo emagrecer, e comprei um monte de roupas de ginástica, e eu acho que ela está usando escondido.
 

- Mas se você está usando, como ela pode estar usando também?
- É que depois de um tempo acabei desistindo da academia, então parei de usar as roupas. E como uso pouco, acho que ela está pegando, sabe? As vezes dou falta... e olha que paguei uma nota, que desaforo!

- Por que você não pergunta discretamente?

- Ah, você sabe como é esse pessoal! Se eu perguntar vai ficar ofendida, querer me processar, esse negócio de processo é sério, viu? Tenho várias amigas que já sofreram ameaça dos empregados! E eu estou achando que ela está colocando alguma coisa na comida, porque depois que eu falei com ela do bife do Milton, eu comecei a sentir uma coisa estranha na barriga, uma sensação esquisita...

- Uma dor?
- Não é bem dor, é uma sensação estranha, em tudo assim, ó – e ela passa a mão pelo abdômen inteiro, sem identificar exatamente onde é que incomoda.

- Ah, pode ser só impressão. O médico que você foi te examinou?

- Examinou, e disse que estava tudo bem, só deu uma gordurinha no fígado num dos exames.

- Gordura no fígado?

- De uns tempos para cá eu perdi um pouco o controle do meu peso, sabe? Estava muito ansiosa... aliás, eu sou ansiosa... exagerei um pouco na comida, mas só um pouquinho...

- Hum-hum.
- Eu até fiz os Vigilantes e emagreci um pouco, mas depois parei, e voltou tudo... depois comprei alguns livros, tentei aquela dieta de South Beach, mas também não deu certo. Eu tomo Herbalife, as vezes, é tão prático! Mas não sei, não consigo emagrecer... acho que meu metabolismo é muito lento.
- Mas e os exercícios?

- Ah, não me dei bem na academia, achei os professores muito despreparados.

- Ou foi a preguiça? Hehehe. – comentário sarcástico #1, irritação estágio 4.

- Ah, as vezes dá uma preguicinha de sair de casa, a gente tem tanta coisa para fazer – imagino o que tanto uma dona de casa, com empregada, com filhos que já nem moram mais com ela, pode ter para fazer – é uma correria, e quando vou ver o Milton já chegou do serviço e tenho que arrumar o jantar para ele.

- E por que você não vai de manhã cedo?

- É... pode ser... (Porque é preguiçosa! Irritação estágio 4,5)

- Eu costumo acordar e ir bem cedo, dá muita disposição para o dia.
- É que eu tenho o hábito de dormir tarde. Sempre fui assim, gosto de ficar assistindo um filminho à noite, quando vou ver já é de madrugada e ainda estou acordada. Daí acabo levantando um pouco mais tarde no dia seguinte.

- Será que não é por isso que você tem dificuldade para dormir? Ouvi dizer que assistir televisão à noite não deixa o cérebro descansar – comentário sarcástico #2, mas pelo visto não está surtindo efeito.

- Ah não, eu sempre fui assim, da noite, não deve ter a ver não – negação total! Ou “não quero melhorar para ter assunto para falar com as amigas, ou com as vizinhas”. Irritação estágio 5!!!

E nisso se foram 2 horas do seu sábado ensolarado, que você tinha planejado dar uma volta, comer alguma coisa e dar um pulo no cinema. Lamúrias, lamentações e “problemas” da sua vizinha que te alugou para conversar (ou reclamar) da empregada, da nora, dos legumes da feira, da barriga, da gordura no fígado, da insônia, do marido, do carro, da novela, da conta de telefone (lógico, ela deve ficar o dia inteiro pendurada falando nada com nada!), do porteiro, do PT, do cabelereiro, da farofada na praia que ela frequenta, do pet shop. Até que toca o seu telefone. Viva! Salvo pelo gongo, talvez um pouco tarde demais...

- Olha, desculpe, mas minha amiga está me esperando para ir ao cinema, eu vou ter que sair.

- Ah, claro, não tem problema – olha no relógio. Nossa, como o tempo voou! Daqui a pouco o Milton volta do tênis, tenho que preparar o jantar! Desculpe te alugar, viu? Hehehehe... mas A D O R E I conversar com você, passa lá em casa outro dia para tomarmos um café.

- Ah sim, pode deixar – nem sob a mira de uma arma alguém conseguiria dizer que também gostou de conversar com ela.

- Tchau, querida, até a próxima! E vai ser fácil a gente se encontrar, moramos tão pertinho!

- Hehehe – sorriso amarelo – pois é!
Você fecha a porta, agradecendo a Deus, Buda, Alá, Iemanjá, Exu, Satanás e todos os deuses, santos e entidades existentes por aquele tormento ter acabado antes de você soltar um grito bem forte e dar um soco na cara dela. E, antes de sair, tomou o comprimido que tinha ficado sobre a mesa de madeira, agora manchada.

Situação 2: BINGO!

Sábado de manhã, você está saindo de casa e encontra a sua vizinha no corredor. Como qualquer pessoa minimamente educada, a cumprimenta:

- Bom dia.
- Bom dia. Tudo bem?

- Tudo, e você? (pura força de expressão)

Chama o elevador.
- Ah, mais ou menos. Estou com uma dor de cabeça que não passa...

- Ah, então hoje é o seu dia de sorte! Tenho um analgésico aqui na bolsa - desvia o olhar para dentro da bolsa, finge que demora um pouco para encontrar até o elevador chegar, e quando vê que chegou, o retira da bolsa. Toma agora que daqui a pouco passa! Tchau, tchau!

Sem dar tempo de a vizinha agradecer a sua boa ação do dia, você vira as costas e entra no elevador rapidinho, só ouve do outro lado da porta um “Obrigada”, com um certo ar de desânimo, e desce até a garagem.

Moral da história: Para evitar dores de cabeça, carregue sempre um Doril com você.

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